NR-1: Guia Essencial

Capítulo 2: As Grandes Mudanças na NR-1

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) passou por uma transformação significativa nos últimos anos, culminando em uma abordagem mais moderna e integrada para a gestão da segurança e saúde no trabalho (SST). Compreender essas mudanças é essencial para que todos na empresa possam se adaptar e contribuir para um ambiente de trabalho mais seguro e saudável. Este capítulo detalha as principais atualizações e seus impactos.

2.1. Visão Geral das Atualizações Recentes

A revisão mais profunda da NR-1 foi formalizada pela Portaria SEPRT nº 6.730, de 9 de março de 2020. Esta portaria representou um marco, introduzindo o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) como elementos centrais da norma. O objetivo foi alinhar a legislação brasileira às práticas internacionais de gestão de SST, como a norma ISO 45001, promovendo uma visão mais abrangente e proativa da prevenção.

Posteriormente, outras portarias trouxeram ajustes e complementos importantes:

Essas atualizações consolidaram a nova estrutura da NR-1, focada em Disposições Gerais (aplicáveis a todas as NRs) e no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), que detalha como as empresas devem identificar, avaliar e controlar os riscos presentes em suas atividades.

2.2. O Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)

A mudança mais estrutural trazida pela nova NR-1 é a implementação obrigatória do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) por estabelecimento. O GRO não é um documento único, mas sim um processo contínuo que engloba um conjunto de ações coordenadas de prevenção em SST. Ele representa a materialização da gestão de riscos dentro da organização.

O objetivo do GRO é claro: prevenir acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Para isso, a organização deve seguir um ciclo contínuo (semelhante ao ciclo PDCA - Plan, Do, Check, Act):

  1. Evitar os riscos ocupacionais que possam ser originados no trabalho.
  2. Identificar os perigos e possíveis lesões ou agravos à saúde.
  3. Avaliar os riscos ocupacionais, indicando o nível de risco (combinação de severidade e probabilidade).
  4. Classificar os riscos para determinar a necessidade de adoção de medidas de prevenção.
  5. Implementar medidas de prevenção, seguindo uma ordem de prioridade (eliminação, controle coletivo, medidas administrativas/organizacionais, EPI).
  6. Acompanhar o controle dos riscos ocupacionais e o desempenho das medidas implementadas.

Para operacionalizar o GRO, a NR-1 exige que as organizações implementem o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). O PGR é a documentação do GRO, ou seja, é onde o processo de gerenciamento de riscos é formalizado e registrado. A critério da organização, o PGR pode ser implementado por unidade operacional, setor ou atividade, e pode estar integrado a outros planos e programas de SST da empresa.

O PGR deve conter, no mínimo, dois documentos essenciais:

É fundamental entender que o GRO/PGR não é apenas uma obrigação burocrática, mas uma ferramenta estratégica para a gestão da SST. Ele exige um olhar atento e contínuo sobre as condições de trabalho, a participação dos trabalhadores na identificação e controle dos riscos, e um compromisso com a melhoria contínua das condições de segurança e saúde.

2.3. A Inclusão dos Fatores de Riscos Psicossociais

Uma das mudanças mais impactantes e socialmente relevantes introduzidas na NR-1, com vigência a partir de 26 de maio de 2025 (conforme Portaria MTE nº 1.419/2024), é a inclusão expressa dos fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho dentro do escopo do GRO. Embora a gestão de todos os riscos ocupacionais já estivesse prevista, essa explicitação elimina qualquer ambiguidade e reforça a obrigação das organizações de gerenciarem esses fatores de forma sistemática.

O que são riscos psicossociais relacionados ao trabalho?

Conforme o Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho, publicado pelo MTE em 2025, esses fatores são definidos como "perigos decorrentes de problemas na concepção, na organização e na gestão do trabalho, que podem gerar efeitos na saúde do trabalhador em nível psicológico, físico e social". É crucial notar a ênfase em "relacionados ao trabalho", distinguindo-os de questões psicossociais de âmbito pessoal ou externo ao ambiente laboral.

Esses riscos surgem de como o trabalho é desenhado, organizado e gerenciado, e também do contexto social e econômico do trabalho. Alguns exemplos comuns incluem:

Relevância e Impacto:

A inclusão desses fatores na NR-1 reflete uma preocupação crescente com a saúde mental no trabalho. Dados da OIT e OMS indicam perdas bilionárias anuais devido a problemas como depressão e ansiedade relacionados ao trabalho. No Brasil, transtornos mentais figuram entre as principais causas de afastamento, destacando a urgência de ações preventivas.

Integração com a NR-17 (Ergonomia):

A NR-1 estabelece que a gestão dos riscos ocupacionais deve considerar as condições de trabalho nos termos da NR-17 (Ergonomia). Os fatores de risco psicossociais estão intrinsecamente ligados à organização do trabalho, um dos domínios abordados pela NR-17. Portanto, a identificação, avaliação e controle desses riscos devem ser feitos utilizando as metodologias previstas na NR-17, principalmente a Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) e, quando necessário, a Análise Ergonômica do Trabalho (AET).

Identificação e Avaliação no GRO/PGR:

Assim como os riscos físicos, químicos e biológicos, os riscos psicossociais devem ser:

  1. Identificados: Descrever o perigo (ex: sobrecarga), as fontes (ex: metas excessivas, falta de pessoal), as possíveis lesões (ex: estresse, burnout, depressão, DORT) e os grupos de trabalhadores expostos.
  2. Avaliados: Determinar o nível de risco combinando a severidade das possíveis consequências com a probabilidade de ocorrência. A NR-1 especifica que, para riscos ergonômicos (incluindo psicossociais), a probabilidade deve considerar as exigências da atividade e a eficácia das medidas de prevenção existentes.
  3. Controlados: Incluir no Plano de Ação as medidas para eliminar ou reduzir os riscos identificados, seguindo a hierarquia de controle.

O Guia do MTE enfatiza a importância de criar um ambiente de confiança, garantir o anonimato (especialmente se forem usados questionários) e envolver os trabalhadores em todo o processo. A avaliação deve focar nas condições de trabalho que podem ser adoecedoras, e não em avaliar a saúde mental individual de cada trabalhador (o que é feito no contexto do PCMSO/NR-7 para fins de aptidão, quando aplicável).

2.4. Prevenção e Combate ao Assédio e Outras Formas de Violência

Em sintonia com a Lei nº 14.457/2022 (Programa Emprega + Mulheres), a NR-1 foi atualizada pela Portaria MTP nº 4.219/2022 para incluir medidas específicas de prevenção e combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no trabalho. Essas medidas são obrigatórias para todas as organizações que devem constituir a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA), conforme a NR-5.

As principais exigências introduzidas no subitem 1.4.1.1 da NR-1 são:

Essa atualização reforça o compromisso legal das empresas em criar um ambiente de trabalho respeitoso e livre de violência, integrando essa preocupação à gestão de SST e às atribuições da CIPA.

2.5. Direito de Recusa e Proteção ao Trabalhador

A NR-1 sempre previu o direito do trabalhador de interromper suas atividades ao constatar uma situação de risco grave e iminente à sua vida ou saúde. A Portaria MTE nº 342/2024 reforçou e detalhou esse direito (subitem 1.4.3 e seus desdobramentos):

Essa clareza na norma fortalece a posição do trabalhador como agente ativo na prevenção de acidentes, garantindo-lhe o direito de preservar sua integridade sem medo de represálias.

2.6. Capacitação e Treinamento

A NR-1 reforça a importância da capacitação e do treinamento como ferramentas essenciais para a prevenção de acidentes e doenças. O empregador deve promover capacitações em conformidade com o disposto nas NRs específicas, abrangendo:

Principais Diretrizes:

2.7. Tratamento Diferenciado para MEI, ME e EPP

Reconhecendo as particularidades e limitações dos pequenos negócios, a NR-1 estabelece um tratamento diferenciado para o Microempreendedor Individual (MEI), a Microempresa (ME) e a Empresa de Pequeno Porte (EPP):

É fundamental ressaltar que essas dispensas se referem especificamente à elaboração do PGR e/ou PCMSO, não isentando o MEI, ME e EPP do cumprimento das demais disposições das NRs aplicáveis às suas atividades.

2.8. Digitalização de Documentos

A NR-1 moderniza a gestão documental em SST, incentivando a prestação de informações e o armazenamento de documentos em formato digital:

Essa mudança visa facilitar a gestão, o acesso e a fiscalização das informações de SST, reduzindo a burocracia e o uso de papel.