Capítulo 2: As Grandes Mudanças na NR-1
A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) passou por uma transformação significativa nos últimos anos, culminando em uma abordagem mais moderna e integrada para a gestão da segurança e saúde no trabalho (SST). Compreender essas mudanças é essencial para que todos na empresa possam se adaptar e contribuir para um ambiente de trabalho mais seguro e saudável. Este capítulo detalha as principais atualizações e seus impactos.
2.1. Visão Geral das Atualizações Recentes
A revisão mais profunda da NR-1 foi formalizada pela Portaria SEPRT nº 6.730, de 9 de março de 2020. Esta portaria representou um marco, introduzindo o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) como elementos centrais da norma. O objetivo foi alinhar a legislação brasileira às práticas internacionais de gestão de SST, como a norma ISO 45001, promovendo uma visão mais abrangente e proativa da prevenção.
Posteriormente, outras portarias trouxeram ajustes e complementos importantes:
- Portaria SEPRT nº 1.295/2021 e Portaria SEPRT nº 8.873/2021: Ajustaram prazos e detalhes de implementação.
- Portaria MTP nº 4.219/2022: Incorporou exigências relacionadas à prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no trabalho, alinhando a NR-1 com a Lei nº 14.457/2022 (Programa Emprega + Mulheres) e alterando a nomenclatura da CIPA para Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio.
- Portaria MTE nº 342/2024: Reforçou o direito de recusa do trabalhador em situações de risco grave e iminente.
- Portaria MTE nº 344/2024: Trouxe alterações pontuais, incluindo novas definições no Anexo I (termos técnicos) e ajustes relacionados à capacitação.
- Portaria MTE nº 1.419/2024: Esta portaria, com vigência a partir de 26 de maio de 2025, trouxe uma mudança crucial ao incluir expressamente os fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho no âmbito do GRO. Embora a gestão de todos os riscos já fosse implícita, essa explicitação reforça a necessidade de as empresas abordarem proativamente questões como estresse, sobrecarga e assédio.
Essas atualizações consolidaram a nova estrutura da NR-1, focada em Disposições Gerais (aplicáveis a todas as NRs) e no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), que detalha como as empresas devem identificar, avaliar e controlar os riscos presentes em suas atividades.
2.2. O Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)
A mudança mais estrutural trazida pela nova NR-1 é a implementação obrigatória do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) por estabelecimento. O GRO não é um documento único, mas sim um processo contínuo que engloba um conjunto de ações coordenadas de prevenção em SST. Ele representa a materialização da gestão de riscos dentro da organização.
O objetivo do GRO é claro: prevenir acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Para isso, a organização deve seguir um ciclo contínuo (semelhante ao ciclo PDCA - Plan, Do, Check, Act):
- Evitar os riscos ocupacionais que possam ser originados no trabalho.
- Identificar os perigos e possíveis lesões ou agravos à saúde.
- Avaliar os riscos ocupacionais, indicando o nível de risco (combinação de severidade e probabilidade).
- Classificar os riscos para determinar a necessidade de adoção de medidas de prevenção.
- Implementar medidas de prevenção, seguindo uma ordem de prioridade (eliminação, controle coletivo, medidas administrativas/organizacionais, EPI).
- Acompanhar o controle dos riscos ocupacionais e o desempenho das medidas implementadas.
Para operacionalizar o GRO, a NR-1 exige que as organizações implementem o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). O PGR é a documentação do GRO, ou seja, é onde o processo de gerenciamento de riscos é formalizado e registrado. A critério da organização, o PGR pode ser implementado por unidade operacional, setor ou atividade, e pode estar integrado a outros planos e programas de SST da empresa.
O PGR deve conter, no mínimo, dois documentos essenciais:
- Inventário de Riscos Ocupacionais: Este documento consolida os dados da identificação de perigos e das avaliações de riscos. Deve conter, no mínimo: a caracterização dos processos, ambientes e atividades; a descrição dos perigos, possíveis lesões/agravos, fontes/circunstâncias e grupos de trabalhadores expostos; a descrição das medidas de prevenção já implementadas; dados de monitoramento (agentes físicos, químicos, biológicos) e avaliação ergonômica (NR-17); a avaliação e classificação dos riscos; e os critérios adotados para essa avaliação. O inventário deve ser mantido atualizado, e seu histórico guardado por no mínimo 20 anos.
- Plano de Ação: Com base na avaliação e classificação dos riscos feita no Inventário, o Plano de Ação define as medidas de prevenção que precisam ser introduzidas, aprimoradas ou mantidas. Para cada medida, deve-se estabelecer um cronograma de implementação, as formas de acompanhamento e como os resultados serão aferidos.
É fundamental entender que o GRO/PGR não é apenas uma obrigação burocrática, mas uma ferramenta estratégica para a gestão da SST. Ele exige um olhar atento e contínuo sobre as condições de trabalho, a participação dos trabalhadores na identificação e controle dos riscos, e um compromisso com a melhoria contínua das condições de segurança e saúde.
2.3. A Inclusão dos Fatores de Riscos Psicossociais
Uma das mudanças mais impactantes e socialmente relevantes introduzidas na NR-1, com vigência a partir de 26 de maio de 2025 (conforme Portaria MTE nº 1.419/2024), é a inclusão expressa dos fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho dentro do escopo do GRO. Embora a gestão de todos os riscos ocupacionais já estivesse prevista, essa explicitação elimina qualquer ambiguidade e reforça a obrigação das organizações de gerenciarem esses fatores de forma sistemática.
O que são riscos psicossociais relacionados ao trabalho?
Conforme o Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho, publicado pelo MTE em 2025, esses fatores são definidos como "perigos decorrentes de problemas na concepção, na organização e na gestão do trabalho, que podem gerar efeitos na saúde do trabalhador em nível psicológico, físico e social". É crucial notar a ênfase em "relacionados ao trabalho", distinguindo-os de questões psicossociais de âmbito pessoal ou externo ao ambiente laboral.
Esses riscos surgem de como o trabalho é desenhado, organizado e gerenciado, e também do contexto social e econômico do trabalho. Alguns exemplos comuns incluem:
- Demandas excessivas: Sobrecarga de trabalho, pressão por tempo, metas irrealistas.
- Baixo controle/autonomia: Falta de poder de decisão sobre como e quando realizar as tarefas.
- Falta de apoio social: Isolamento, falta de suporte de colegas e superiores.
- Más relações interpessoais: Conflitos, assédio moral ou sexual, discriminação, violência.
- Insegurança no trabalho: Medo de demissão, mudanças organizacionais mal gerenciadas, falta de clareza sobre o futuro.
- Falta de clareza de papel/função: Ambiguidade sobre responsabilidades e expectativas.
- Baixas recompensas e reconhecimento: Falta de reconhecimento pelo esforço, remuneração inadequada, poucas oportunidades de crescimento.
Relevância e Impacto:
A inclusão desses fatores na NR-1 reflete uma preocupação crescente com a saúde mental no trabalho. Dados da OIT e OMS indicam perdas bilionárias anuais devido a problemas como depressão e ansiedade relacionados ao trabalho. No Brasil, transtornos mentais figuram entre as principais causas de afastamento, destacando a urgência de ações preventivas.
Integração com a NR-17 (Ergonomia):
A NR-1 estabelece que a gestão dos riscos ocupacionais deve considerar as condições de trabalho nos termos da NR-17 (Ergonomia). Os fatores de risco psicossociais estão intrinsecamente ligados à organização do trabalho, um dos domínios abordados pela NR-17. Portanto, a identificação, avaliação e controle desses riscos devem ser feitos utilizando as metodologias previstas na NR-17, principalmente a Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) e, quando necessário, a Análise Ergonômica do Trabalho (AET).
Identificação e Avaliação no GRO/PGR:
Assim como os riscos físicos, químicos e biológicos, os riscos psicossociais devem ser:
- Identificados: Descrever o perigo (ex: sobrecarga), as fontes (ex: metas excessivas, falta de pessoal), as possíveis lesões (ex: estresse, burnout, depressão, DORT) e os grupos de trabalhadores expostos.
- Avaliados: Determinar o nível de risco combinando a severidade das possíveis consequências com a probabilidade de ocorrência. A NR-1 especifica que, para riscos ergonômicos (incluindo psicossociais), a probabilidade deve considerar as exigências da atividade e a eficácia das medidas de prevenção existentes.
- Controlados: Incluir no Plano de Ação as medidas para eliminar ou reduzir os riscos identificados, seguindo a hierarquia de controle.
O Guia do MTE enfatiza a importância de criar um ambiente de confiança, garantir o anonimato (especialmente se forem usados questionários) e envolver os trabalhadores em todo o processo. A avaliação deve focar nas condições de trabalho que podem ser adoecedoras, e não em avaliar a saúde mental individual de cada trabalhador (o que é feito no contexto do PCMSO/NR-7 para fins de aptidão, quando aplicável).
2.4. Prevenção e Combate ao Assédio e Outras Formas de Violência
Em sintonia com a Lei nº 14.457/2022 (Programa Emprega + Mulheres), a NR-1 foi atualizada pela Portaria MTP nº 4.219/2022 para incluir medidas específicas de prevenção e combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no trabalho. Essas medidas são obrigatórias para todas as organizações que devem constituir a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA), conforme a NR-5.
As principais exigências introduzidas no subitem 1.4.1.1 da NR-1 são:
- Inclusão de Regras de Conduta: As empresas devem incluir, em suas normas internas, regras claras sobre a proibição do assédio sexual e de outras formas de violência. O conteúdo dessas regras deve ser amplamente divulgado a todos os empregados e empregadas.
- Procedimentos para Denúncias: É obrigatório fixar procedimentos para o recebimento, acompanhamento e apuração de denúncias relacionadas a assédio e violência. Esses procedimentos devem garantir o anonimato da pessoa denunciante e prever a aplicação de sanções administrativas aos responsáveis, sem prejuízo de outras medidas legais cabíveis. Na Wutzl, foram criados canais específicos para este fim, garantindo sigilo absoluto e investigação rigorosa: E-mail: [email protected] e WhatsApp: 11-95068-9108.
- Capacitação Periódica: A organização deve realizar, no mínimo a cada 12 meses, ações de capacitação, orientação e sensibilização para todos os empregados, de todos os níveis hierárquicos. Os temas devem abordar violência, assédio, igualdade e diversidade no âmbito do trabalho, utilizando formatos acessíveis e eficazes.
Essa atualização reforça o compromisso legal das empresas em criar um ambiente de trabalho respeitoso e livre de violência, integrando essa preocupação à gestão de SST e às atribuições da CIPA.
2.5. Direito de Recusa e Proteção ao Trabalhador
A NR-1 sempre previu o direito do trabalhador de interromper suas atividades ao constatar uma situação de risco grave e iminente à sua vida ou saúde. A Portaria MTE nº 342/2024 reforçou e detalhou esse direito (subitem 1.4.3 e seus desdobramentos):
- Direito de Interrupção: O trabalhador pode interromper suas atividades se, por motivos razoáveis, acreditar que a situação de trabalho envolve um risco grave e iminente para si ou para terceiros. Ele deve informar imediatamente seu superior hierárquico.
- Proibição de Retorno: O empregador não pode exigir que os trabalhadores retornem à atividade enquanto as medidas corretivas para eliminar o risco grave e iminente não forem adotadas.
- Proteção Contra Retaliação: O trabalhador que exercer o direito de recusa deve ser protegido de consequências injustificadas (como punições ou demissão) decorrentes da interrupção.
- Dever de Comunicação: O trabalhador também tem o dever de comunicar imediatamente ao superior hierárquico as situações de risco grave e iminente que identificar.
Essa clareza na norma fortalece a posição do trabalhador como agente ativo na prevenção de acidentes, garantindo-lhe o direito de preservar sua integridade sem medo de represálias.
2.6. Capacitação e Treinamento
A NR-1 reforça a importância da capacitação e do treinamento como ferramentas essenciais para a prevenção de acidentes e doenças. O empregador deve promover capacitações em conformidade com o disposto nas NRs específicas, abrangendo:
- Treinamento Inicial: Realizado antes do trabalhador iniciar suas funções ou conforme prazo definido em NR específica.
- Treinamento Periódico: Realizado com a periodicidade estabelecida em cada NR ou, na ausência desta, em prazo definido pelo empregador.
- Treinamento Eventual: Necessário quando ocorrem mudanças nos procedimentos ou condições de trabalho que alterem os riscos, após acidentes graves ou fatais, ou no retorno de afastamento superior a 180 dias.
Principais Diretrizes:
- Certificado: Ao final de cada treinamento, deve ser emitido um certificado contendo informações detalhadas (nome do trabalhador, conteúdo, carga horária, data, local, instrutores, responsável técnico).
- Tempo de Trabalho: O tempo gasto nos treinamentos previstos nas NRs é considerado como tempo de trabalho efetivo.
- Aproveitamento: A NR-1 permite o aproveitamento de conteúdos de treinamentos realizados na mesma organização ou até mesmo entre organizações diferentes, desde que atendidos certos critérios (conteúdo e carga horária compatíveis, prazo de validade, validação pelo responsável técnico).
- Modalidades EAD e Semipresencial: Uma novidade importante é a regulamentação do uso do ensino a distância (EAD) e semipresencial para as capacitações de NR. O Anexo II da NR-1 estabelece diretrizes e requisitos mínimos para essas modalidades, incluindo a necessidade de um projeto pedagógico detalhado, ambiente virtual de aprendizagem (AVA) adequado, canal de comunicação para dúvidas, e formas de avaliação que garantam a efetividade do aprendizado e a rastreabilidade.
2.7. Tratamento Diferenciado para MEI, ME e EPP
Reconhecendo as particularidades e limitações dos pequenos negócios, a NR-1 estabelece um tratamento diferenciado para o Microempreendedor Individual (MEI), a Microempresa (ME) e a Empresa de Pequeno Porte (EPP):
- MEI: Está dispensado de elaborar o PGR. No entanto, se o MEI prestar serviços nas dependências de uma contratante, esta deve incluí-lo em seu próprio PGR. A Secretaria de Trabalho disponibilizará fichas com orientações sobre medidas de prevenção para o MEI.
- ME e EPP (Graus de Risco 1 e 2):
- Dispensa do PGR: Ficam dispensadas de elaborar o PGR as ME/EPP de grau de risco 1 e 2 que, no levantamento preliminar de perigos, não identificarem exposições a agentes físicos, químicos e biológicos (conforme NR-9) e declararem essas informações digitalmente.
- Dispensa do PCMSO: Se, além de não identificarem os riscos acima, também não identificarem riscos ergonômicos, ficam dispensadas da elaboração do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). Importante: A dispensa do PCMSO não desobriga a realização dos exames médicos e a emissão do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO).
- Ferramentas de Avaliação: ME/EPP não obrigadas a constituir SESMT podem optar por utilizar ferramentas de avaliação de risco disponibilizadas pelo governo para estruturar seu PGR (caso não se enquadrem na dispensa).
É fundamental ressaltar que essas dispensas se referem especificamente à elaboração do PGR e/ou PCMSO, não isentando o MEI, ME e EPP do cumprimento das demais disposições das NRs aplicáveis às suas atividades.
2.8. Digitalização de Documentos
A NR-1 moderniza a gestão documental em SST, incentivando a prestação de informações e o armazenamento de documentos em formato digital:
- Informações Digitais: As organizações devem prestar informações de SST em formato digital, conforme modelos a serem aprovados pela Secretaria de Trabalho, seguindo princípios de simplificação e desburocratização.
- Emissão e Armazenamento Digital: Documentos previstos nas NRs podem ser emitidos e armazenados em meio digital, utilizando certificado digital padrão ICP-Brasil.
- Digitalização de Documentos Físicos: Documentos físicos, mesmo os anteriores à vigência da nova NR-1, podem ser digitalizados e arquivados digitalmente, mantendo-se a integridade, autenticidade e confidencialidade, também com uso de certificado ICP-Brasil. Os originais devem ser mantidos conforme legislação específica.
- Preservação e Acesso: O empregador deve garantir a preservação, validade jurídica, autenticidade, integridade e rastreabilidade dos documentos digitais ou digitalizados. Além disso, deve garantir o acesso irrestrito da Inspeção do Trabalho e também dos trabalhadores (ou seus representantes) aos documentos pertinentes.
Essa mudança visa facilitar a gestão, o acesso e a fiscalização das informações de SST, reduzindo a burocracia e o uso de papel.